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“Todo dia a Mesma Noite” E a História Real da Boate Kiss

Manuela Monteiro

Por memória, por justiça, que não se repita. Como a série da Netflix retrata a luta das famílias das vítimas da Boate Kiss, e a verdadeira história da tragédia que mudou o Brasil.



No dia 25 de Janeiro de 2023, a Netflix lançou a minissérie “Todo dia a Mesma Noite”, baseada nos eventos reais do trágico incêndio da Boate Kiss, que ocorreu em Santa Maria, Rio Grande do Sul. A série foi feita após o livro, com o mesmo nome, da escritora Daniela Arbex, que foi lançado em 2018. O livro em si é separado por capítulos que retratam os horrores que as famílias das vítimas e os sobreviventes sofreram após a tragédia. O livro carrega uma linguagem bastante jornalística, e foca nos acontecimentos depois do incêndio, onde o acidente em si é retratado somente no final, de uma maneira bastante pontual.


A minissérie leva um turno diferente, escolhendo retratar os eventos na boate em seus primeiros capítulos, preferindo estabelecer uma ponte entre os jovens e a audiência, pois o livro tem seu foco nas famílias das vítimas. Porém, algo que tanto a série como o livro têm em comum é que os dois não se aprofundam na vida de cada jovem, preferindo dar detalhes sobre quem eles eram através das memórias dos familiares. A minissérie é dividida em cinco episódios; o primeiro mostra o incêndio, o segundo mostra a busca pelas vítimas, e os três restantes destacam as lutas das famílias por justiça.


No primeiro episódio, somos introduzidos a seis jovens diferentes, como Marienne, Guilherme, Marco, Felipe, Grazi, e Fernando, dos quais os pais lideram a procura por justiça no restante dos episódios. Assim que o incêndio começou na série, as câmeras se movimentam de forma errática, e desesperadas, capturando de uma maneira verdadeira o caos e pânico que seguiu. O depoimento dos sobreviventes da Boate Kiss teve grande parte na maneira como a série retrata o que aconteceu na fatídica noite do dia 27 de Janeiro de 2013. Momentos onde os personagens percebem que não há saída, ou voltam na boate para ajudar aqueles que ficaram presos, são mostrados de uma maneira visceral e real, transmitindo para o telespectador o medo e a dor que muitos sentiam durante o incidente.


A minissérie é capaz de retratar tanto de maneira realista, como respeitosa, todos os acontecimentos que seguiram após o incêndio. Todos os jovens e famílias da série, apesar de serem fictícios, são baseados em pessoas reais, em vítimas, e em sobreviventes do incêndio. Porém, em nenhum momento a série adota um tom sensacionalista, mostrando a dor verdadeira que as famílias sentiram após a perda de seus filhos, ou familiares. O segundo capítulo conta com a liderança da Capitã da Brigada Militar, baseada na capitã que liderou as buscas dentro da boate na vida real. Com o nome de “O Luto”, ele retrata o desespero e a esperança dos pais enquanto procuram por seus filhos, e tristemente a realização de que seus filhos possam ter vindo a falecer. A série tem o poder de fazer com que o telespectador sinta junto com seus personagens, sentindo-se presos na boate ou assustados durante a busca, e principalmente indignados com a injustiça.


Os atores que comandam a reta final de capítulos são Paulo Gorgulho, Bianca Byington, Leonardo Medeiros, Debora Lamm, e Thelmo Fernandes, que fazem parte do elenco mais velho que interpretam os pais dos jovens. Uma boa parte da emoção da série vem de seus atores mais velhos, este sentimento de luto explorado na série, é o que conecta o telespectador e mantém o interesse na série após o incidente. As diretoras, Julia Rezende e Carol Minêm, seguem o foco do livro, que é de retratar como a dor dos pais que os mantêm procurando até os dias atuais para que os responsáveis sejam penalizados.


A frase “Por memória, por justiça, que não se repita”, é fundamental no desenvolvimento da série, pois não intencionalmente a minissérie consegue homenagear as vítimas, trazendo visibilidade para suas histórias e pela força de quem ficou para trás. A trajetória linear da série acompanha a batalha no tribunal de justiça onde os pais procuram por punição pelos que foram responsáveis pelas 242 mortes na Boate Kiss. De uma maneira terrivelmente verdadeira, as diretoras mostram o sentimento de esperança no começo, pela junção dos pais das vítimas, e a certeza de que justiça seria alcançada, e com o tempo como o sentimento de esperança se vai.


“Todo dia a Mesma Noite” foi um sucesso para a Netflix, e muitos jovens dos dias atuais puderam conhecer a história do incêndio na Boate Kiss, de uma forma que mostrasse o luto, a tragédia, e o vazio, que os familiares sentem até hoje, 10 anos após os acontecimentos. É possível que a série sirva como combustível para os sobreviventes continuarem lutando por justiça, com o apoio de uma geração nova. Apesar de seus conteúdos pesados e tristes, “Todo dia a Mesma Noite” é uma série imperdível, que é fundamental para que uma tragédia similar não se repita. Todos, a partir da faixa-etária de 16 anos, deveriam assistir a série, pois é um marco para o cinema audiovisual brasileiro.


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